A babá de origem etíope Shweyga Mullah, de 30 anos, que cuidou dos
filhos e netos de Muammar Gadafi, ficou desfigurada após ser torturada
com água fervente que uma nora do ditador jogou em seu rosto.
Rebeldes líbios encontraram a mulher após os patrões fugirem de
Trípoli e a levaram para o hospital.
Segundo ela, outro empregado da família já havia sido torturado da
mesma maneira. Mullah se mostrou muito abatida e quer voltar para seu
país de origem e ficar ao lado da mãe.
Ela conversou com o jornal “Folha de S. Paulo” e contou exatamente o
que aconteceu.
Leia a íntegra do depoimento
“Há cerca de um ano, saí de Adis Abeba, na Etiópia, para trabalhar como babá na casa de Hannibal Gaddafi e sua mulher [a modelo libanesa Aline Skaf]. Eu cuidava dos dois filhos pequenos.
Sempre foi muito difícil. Nunca recebi salário, nem um tostão sequer ao longo do ano que passei na residência do casal. Trabalhava noite e dia em troca de comida e de um lugar para dormir quando dava tempo. Minha vida era só trabalho. Não existia nada além disso.
Um dia torturaram o empregado encarregado de lavar a roupa e os jogos de cama da residência, um sudanês chamado Mohamed. Ele foi queimado com água fervente jogada no corpo.
Uns três meses atrás foi a minha vez. Eu me recusei a bater na filha do casal, que não parava de chorar, e a mulher de Hannibal ficou descontrolada de nervosa.
Ela amarrou minhas mãos atrás das minhas costas e me levou até um banheiro. Lá, ela mesma despejou água fervente na minha cabeça e nas minhas costas.
Depois disso, ela me deixou trancada no banheiro por um dia inteiro e me proibiu de sair de casa. Após dez dias, um dos guarda-costas me levou ao hospital sem que a mulher de Hannibal soubesse.
Não pude ficar muito tempo recebendo tratamento, e o segurança me levou de volta para a casa. A patroa acabou descobrindo e ele foi colocado na cadeia.
Continuei trabalhando, mesmo sofrendo com queimaduras graves que estavam infeccionadas por todo o meu corpo.
O casal fugiu quando os rebeldes começaram a entrar em Trípoli. Não tenho ideia de onde eles podem ter ido. Fiquei em casa, com outro funcionário. Dois dias depois da saída de Hannibal e de sua mulher, combatentes rebeldes entraram na residência e nos acharam. Foram eles que me levaram ao hospital.
Eu só quero voltar para a Etiópia e ficar ao lado da minha mãe, de quem tenho muita saudade. Queria tanto ao menos poder ligar para ela, que nem deve saber o que aconteceu. Mas não posso, porque onde ela mora não há telefone. Algumas pessoas me perguntam se eu quero ficar na Líbia caso eu consiga algum outro emprego, mas eu respondo que não.
Sei que há muitos líbios bons, mas sofri demais nesse país. Agora, tudo o que eu quero é ir embora daqui. Só depois disso é que poderei pensar em fazer planos para a minha vida. Juro que não entendo como alguém pode cometer tanta maldade. Por que fizeram isso comigo?
Essa mulher [Aline Skaf] me impôs tanto sofrimento que eu quero que ela também sofra do jeito que eu sofri. Se for da vontade de Deus, serei vingada por tudo que passei”.
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